Inabilitações, guerra anunciada contra a oposição na Venezuela
Uma arma antiga no arsenal do chavismo, no poder na Venezuela, a inabilitação política de adversários, volta a mirar na rachada oposição com vistas às eleições presidenciais de 2024, nas quais Nicolás Maduro tentará um novo mandato.
Na semana passada, a ex-deputada radical Maria Corina Machado engrossou a longa lista de dirigentes inabilitados para ocupar cargos públicos na Venezuela.
Mesmo excluída, Machado pretende se tornar candidata da oposição às presidenciais, através das primárias previstas para 22 de outubro. Outros dois importantes pré-candidatos às primárias - Henrique Capriles, duas vezes candidato à Presidência, e Freddy Superlano - também estão impedidos de ocupar cargos públicos.
"Era muito esperado que isto ocorresse e eu não sinto que vá acabar aqui, vai escalar", disse à AFP o doutor em ciências políticas e professor universitário Daniel Varnagy.
A lei faculta a Controladoria a inabilitar funcionários pela via administrativa, embora a Constituição estabeleça que só uma sentença judicial transitada em julgado impeça alguém de se candidatar à Presidência.
"O candidato que vencer as primárias será o candidato que os venezuelanos e a comunidade internacional vão reconhecer", disse na terça-feira Machado, de 55 anos, que aparece como favorita nas pesquisas.
- "Mensagem contrária" -
O tema foi o ponto alto das negociações no México entre o governo Maduro e a oposição, em prol de acordos que permitissem aos inabilitados se candidatar, mas os diálogos estão estagnados há mais de seis meses, sem sinais de desbloqueio.
As inabilitações enviam uma "mensagem contrária" à realização de "eleições livres e justas", criticou, na quinta-feira, o chefe da diplomacia americana, Antony Blinken, lembrando que a Casa Branca tem se mostrado disposta a suspender progressivamente as sanções contra a Venezuela se houver avanços para eleições presidenciais limpas.
As primárias já tinham sofrido um golpe com a renúncia em bloco dos diretores vinculados ao chavismo no Conselho Nacional Eleitoral (CNE). O Parlamento governista nomeará novas autoridades: a esposa de Maduro, a deputada Cilia Flores, está na comissão para iniciar o processo de pré-candidaturas.
Também está sobre a mesa um recurso judicial contra o processo: Luis Ratti, empresário dissidente do chavismo que pretende se candidatar em 2024, o impugnou, ao questionar a imparcialidade dos organizadores, que anunciaram uma votação manual, sem apoio técnico do CNE, após as demissões.
- "Todos" sob ameaça -
Deputada entre 2011 e 2014, Machado foi inabilitada por 12 meses pela Controladoria em julho de 2015.
Na sexta-feira passada, este mesmo organismo notificou a extensão da sanção a 15 anos, ao vincular a ex-parlamentar a acusações de "corrupção" contra Juan Guaidó, opositor reconhecido por Washington como presidente encarregado da Venezuela entre janeiro de 2019 e janeiro de 2023 por denúncias de "fraude" contra a reeleição de Maduro em 2018.
Ao mesmo tempo, ressaltou seus pedidos de intervenção estrangeira.
Este argumento "abre a janela" a que "a maioria dos pré-candidatos com algum tipo de possibilidade de acumular votos nas primárias possam ser alvo de uma inabilitação", disse à AFP Eugenio Martínez, jornalista e especialista eleitoral.
"São aplicáveis a todos os deputados que integraram a (opositora) Assembleia Nacional de 2015" e "a todas as pessoas, dirigentes políticos ou não, que integraram o governo interino" ou "apoiaram sua agenda", expressou Martínez.
Assim como os Estados Unidos, a União Europeia criticou as inabilitações, ao alegar que bloqueiam os "direitos políticos" básicos.
- "Marionetes" -
Maduro justificou as inabilitações com uma referência à declaração de inelegibilidade por oito anos contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
"Foi inabilitado porque ele questionou a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro em público e diante de alguns embaixadores. Ah? Vamos tirar conclusões", disse o presidente venezuelano em seu programa na TV estatal. "Imaginem aquelas pessoas que pedem a invasão da Venezuela, aquelas pessoas que pediram sanções criminosas contra a economia e a sociedade venezuelana, aquelas pessoas que usurpam cargos".
Martínez lembrou que negociações paralelas às realizadas no México permitiram a candidatura de inabilitados às eleições de governadores e prefeitos em 2021, embora tenha destacado que "a dimensão das presidenciais de 2024 tem outro tom".
"O governo está mirando em candidatos opositores fantoches, marionetes, para enfrentar Maduro", avaliou Varnagy.
(Y.Yildiz--BBZ)